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"Não sou nada”

 

A fala vem de Patricia Silva*, 23 anos, que conta como se sente em relação à vida no momento. Casada desde os 17 anos, quando, apaixonada, foi morar com o parceiro, na época não conseguia enxergar os sinais de que estava vivendo em um relacionamento abusivo. Patrícia era até mesmo impedida de opinar sobre questões cotidianas do casal, como o pagamento das contas. "Não podia abrir a boca para nada, mesmo que fosse para achar uma solução para as dívidas".

 

Com o passar do tempo, as agressões, antes verbais, passaram a ser também físicas. A vítima conta que chegava a se sentir responsável pela violência sofrida pelo parceiro. "Eu me sentia culpada até mesmo pelas agressões físicas".

 

As humilhações que Patrícia sofre ainda são frequentes, o que faz com que ela se sinta incapaz de sair do relacionamento. "O nosso apartamento, ele faz sempre questão de dizer que  comprou sozinho, que nunca precisou de mim para nada."

 

Para a psicóloga Viviane Tesche, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) com especialização em Psicanálise na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esse tipo de comportamento é comum em relacionamentos tóxicos, onde a mulher se sente culpada e acaba procurando desculpas para justificar as ações do parceiro.

A prisão disfarçada de carinho

 

A psicóloga Viviane também começa a apontar as características de uma relação tóxica. “Um dos sinais de um relacionamento abusivo é o ciúmes exagerado. A pessoa, a princípio, fala que quer te cuidar, mas na verdade começa a privar sua liberdade”.

 

Ela relata que as proibições começam com coisas básicas e gradativamente vão ficando maiores.“Ele começa a proibir que você ande com algumas pessoas, a te afastar da tua família, dos teus amigos, inicia a controlar a tua roupa, onde você vai. O agressor quer saber o tempo inteiro onde você está, se já chegou em casa, se já saiu”.

 

(In)comum

 

“Falar com um guri era pedir para a tempestade chegar”

 

Natalia Oliveira, 21 anos, estudante de psicologia, conta que vivenciou um relacionamento, onde as brigas eram causadas por conta do ciúmes exagerado de seu parceiro eram frequentes. “Não podia fazer nada. Falar com um guri, então, era pedir para a tempestade chegar”.

 

A jovem, que era proibida de falar com amigos e primos, relata que certa vez o namorado pediu para que ela se afastasse da mãe.“Na época ele disse que eu tinha que me afastar da minha mãe porque ela estava contra nós”.

 

Se sentir desconfortável em fazer coisas simples também é um sinal de que pode se estar em um  relacionamento abusivo, alerta ainda a especialista. “A pessoa evita fazer coisas que ela normalmente faria para evitar uma briga, se esquivar de um xingamento”.


 

A falsa insanidade

 

Outro sinal que a psicóloga aponta é quando a pessoa começar a sentir que está ficando louca. A vítima passa a não discernir os eventos que ocorreram ou não, pois o agressor tem por conduta distorcer ou fingir que o que aconteceu não foi real. “Ela começa a achar que está sendo exagerada, que está sendo muito sensível. A vítima começa a realmente acreditar no que o agressor diz”. De acordo com Viviane, tudo isso é feito isso para desestabilizar a vítima.

 

A Lei

 

Desde 2006 há uma legislação que protege mulheres. Trata-se da Lei Nº 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha. “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” Define o Artigo 5°. Consta hoje na lei, as medidas de prevenção e de assistência a mulheres que estão vivendo ou viveram esse tipo de violência, além do que se caracteriza ou não como violência
 

Jogo mental

“Você não me ama de verdade”

 

Natália, a estudante de psicologia, lembra também da violência psicológica sofrida por seu parceiro. “Ele gritava muito, levantava muito a voz e fazia joguinho psicológico do tipo ‘você não me ama de verdade’. Isso me cansou muito, realmente me desgastou”.

 

Maria Lucia da Silva Matos, assistente social do Centro Social Marista de Porto Alegre - Cesmar, lembra que qualquer tipo de violência pode ser denunciada. “A mulher que é vítima de violência pode fazer a denúncia sobre qualquer tipo de agressão, seja ela física ou psicológica”.

A violência em dados

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul,  no ano de 2017 foram registradas 27.269 queixas de ameaças pelo público feminino. Já o crime de lesão corporal contabilizou 22.449 ocorrências.

 

Quanto a medidas protetivas, ferramenta que consta na lei para proteger mulheres vítimas de violência doméstica. Com ela é possível exigir que o agressor mantenha uma distância mínima da vítima e dos filhos. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TRE-RS), em 2017 também foram emitidas 16.018. No primeiro semestre do ano em questão, a taxa era de 1,04%, no segundo semestre o aumento foi de 0,04%, passando a ser de 1,08%.

 

O abuso sexual também é uma das agressões presentes nos  relacionamentos abusivos. Ainda em 2017, no Brasil, foram registrados pelo Mapa da Violência os seguintes dados de estupros:

Amparo

 

Mulheres nessas situações possuem grande dificuldade de contarem para homens sobre agressões, o que as leva  a irem direto nas Delegacias da Mulher (DEAM), como conta a assistente social Camila Martins.“É difícil para uma mulher contar para um homem que está sendo violentada por outro homem, então tem esse olhar mais cuidadoso e mais ampliado para esse público específico”.

 

A Delegada Tatiana, da Delegacia da Mulher de Porto Alegre conta sobre o diferencial da DEAM. “A prevenção e a proteção das mulheres em situação de violência, assim como os encaminhamentos dentro de uma rede de proteção são o nosso diferencial aqui”. Ela conta que a média de ocorrências por ano feita pela delegacia é de 12 mil. Na maioria das vezes, segundo a profissional, a violência vem da família.

 

A delegada ainda argumenta sobre a dificuldade das mulheres de reconhecerem quando uma relação é abusiva ou não. “As mulheres confundem os abusos como sendo sinais de afeto, de amor, de cuidado. O controle, muitas vezes já é um sinal de relacionamento abusivo.”

 

Tatiana também lembra que outro obstáculo para a denúncia, são os laços da mulher com o agressor.“É muito difícil para essa mulher romper com todas aquelas situações típicas da violência doméstica, do afeto, do sentimento que ela nutre por aquele agressor”.

 

Esses laços também fazem com que a mulher tente primeiro resolver o “problema”, como é visto por elas, antes de chegar a ideia efetiva da denúncia. Na mente dessas mulheres, acaba por se fazer trabalho delas resolver a questão do relacionamento. A psicóloga Viviane ressalta esse fator. “Existe uma cultura muito grande de que mulher vá salvar o casamento”.

Isso não é amizade, é abuso

 

Muitas pessoas podem achar que relacionamento abusivo é somente atrelado às relações amorosas, como namoro e casamento. Porém, no âmbito da amizade, a relação problemática também pode ocorrer. Na maioria das vezes, ele aparece como violência psicológica. Diminuição da pessoa, humilhação, chantagem e manipulação são exemplos de sinais que a amizade pode ser tóxica.

 

“Sempre foi uma coisa sufocante”

 

Camila santos, 21 anos, estudante de psicologia vive uma amizade assim. “Tudo que eu faço é um gatilho para ela”. A manipulação feita pela amiga da Camila é muito comum nesse tipo de relação, um controle emocional que configura como violência psicológica. “Isso sempre foi uma coisa sufocante”, desabafa a jovem.

 

Violência contra a mulher é questão de saúde pública

 

Somente em 2006 a criminalização da violência contra a mulher entrou no Código Penal Brasileiro. A Lei Maria da Penha permite que o Estado possa junto com órgãos e instituições criar meios de atender as vítimas e os agressores.

 

Não se pode falar de violência sem falar de saúde. Quando a lei surgiu, no início as vítimas eram encaminhadas para a Defensoria Pública. Atualmente elas são  primeiro atendidas por uma assistente social com experiência, como relata a Delegada Tatiana. “A mulher vai fazer o registro de ocorrência e nós encaminhamos ela para toda rede de proteção, que vai ter incumbência de dar para ela um fortalecimento psicológico”.

*Todos os nomes foram alterados para proteção das vítimas. 

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